quarta-feira, 21 de novembro de 2012

DEPOIMENTOS


O movimento Carecas do Subúrbio surgiu no final da década de 70 e vem se mantendo firme e ativo até os dias de hoje. No decorrer deste período influenciou milhares de jovens em todo o Brasil, com sua cultura, idéias e atitude. Sempre procurando manter a mesma postura e pensamento de seus fundadores. Estaremos descrevendo abaixo o depoimento dos pioneiros do movimento.

COMO COMEÇOU? 
O movimento começou em 1980 (...), começamos em 4, sabe (...). Era uma "mina" e três "caras"(...). Hoje já é na base de mil. A gente queria fundar um movimento mais sério, um movimento também brasileiro, sem negócio de fora, um estilo de vida também, porque esse movimento também é um estilo de vida. A gente é trabalhador (...). É um movimento de trabalhador (...), pessoal que mora no subúrbio (...), zona leste, zona norte (...). Os três caras do inicio eram de Ferraz de Vasconcelos (...). Nasceu na zona leste porque era o pessoal operário pobre.

O movimento começou mais ou menos a partir de 1978, dentro do movimento punk. Os "carecas do subúrbio" eram urna gangue punk e não tinham muito acesso, informações sobre o movimento skínhead europeu. Os "carecas" não gostavam do modo de ser dos punks, do uso de drogas Os "carecas" são trabalhadores, operários, ou qualquer outro tipo de ocupação (office-boys, auxiliar de cozinha, metalúrgicos, entregador de jornal, entregador de lista telefônica, subempregados, desempregados etc.), mas sempre trabalhando. Estão preocupados com a sua dignidade de trabalhador, alguns estão procurando estudar. Nós procuramos tocar neste ponto, que o movimento, seus membros, não sejam tratados como "vitimas do sistema". Procuramos colocar a idéia de estudar, trabalhar, evoluir sempre. Esta é a idéia que o pessoal "mais antigo" procura colocar. Quando os "carecas" começaram, eles e os punks assumiram uma postura mais de marginal. Mas depois os "carecas" perceberam que isto não era válido. Se a gente saia na rua, a policia pegava (...). Perceberam que este negócio de "visual" era negócio mais de adolescente. Os punks mantiveram este estigma de marginalidade, estigma de Bob Cuspe, embora com um nível bem mais maneiro do que era no inicio do movimento. Os "carecas" têm uma "vivência" mais pobre, e não procuram imitar ninguém, são eles mesmos.



Como todo mundo já deve saber, o movimento punk surgiu no Brasil em 1978, quase ao mesmo tempo que na Inglaterra. Neste ano, quando começou a se formar gangues de vila, existia união e os "carecas do subúrbio" eram uma gangue punk com componentes limitados. Com o tempo, o movimento punk foi sendo usado pela midia e começaram a aparecer os embalos, as roupas produzidas, tudo que os punks repudiavam. Ao mesmo tempo, a maioria dos punks da Zona Leste (eu, por exemplo) começaram a reforçar os "carecas", que a essa altura já era o "Movimento Careca", tinha se expandido pelo interior de São Paulo e vários estados do Brasil. Não é verdade que odiamos punk, o que odiamos são os embalos do movimento, os boys, os pilantras da city, e os alienados, que passam uma imagem errada e prejudicam os autênticos, que são as pessoas que gostam do movimento e que lutam para que haja união entre TODOS os jovens EXPLORADOS.


Nós vimos que tinha o skinhead na Europa através do jornal, recorte de jornal, revista, de fanzines e através de quem era mais informado (...). Achamos eles mais legal (..), o nacionalismo, o corte careca (...) e o pessoal resolveu adaptar o "estilo".


POR QUE FUNDARAM O MOVIMENTO?
O punk estava numa baderna (...) e a gente não quer badernar, queria coisa mais séria, uma coisa mais forte (...). O punk naquela época não tinha nada na cabeça, os caras só queriam "chutar latas de lixo", só queriam arrumar confusão, quebrar vidraças (...). Por quê? De repente eu estou passando na rua, eu vou tacar uma pedra na casa não sei de quem (...). Por quê? Isso ai não é pra mim (...). Anarquia não é isso (...). Apesar de eu não gostar de anarquia (...). Eu não sou a favor da anarquia (...). Então nós resolvemos fazer a coisa mais organizada, um movimento mais consciente (...). A anarquia virou moda (...) e também trocando idéia com outros caras, a gente vê que anarquia não tem nada a ver com a gente. 



SOBRE A VIOLÊNCIA
Nos jornais, o governo e os intelectuais nos atacam (...). Falam que o punk ou o skin são violentos, são baderneiros, né? Agora vê se a gente é culpado por um monte de gente que vive debaixo da ponte (...). Se a gente é responsável por uma dívida externa que eles fizeram (...). Se a gente é responsável pelas guerras (...). Eles culpam a gente de tanta coisa! Eu trabalho como porteiro. Poucos ganham muito e muitos ganham pouco (...). Esses tiraram de quem não tem. Se eu passo ali e um sujeito me provoca - só que ninguém viu me provocar - eu pego um pedaço de pau e estouro o crânio dele (...). E o pessoal fala: "Aquele cara é violento" (...). Mas ninguém viu que ele me provocou, me agrediu moralmente, fisicamente. É que eu tive sorte e dei no crânio dele, porque senão ele me atacava (...). Você se ofende quando alguém olha para a tua cara e debocha! 

Tudo que a gente conseguiu até hoje foi através da força. Queiram ou não, fornos obrigados a isso. Todo "careca do subúrbio" sabe se portar em qualquer lugar, seja na rua ou num salão. Mas quando chega alguém e começa a te gozar, julgar e vir com intimidade que não existe (...). O "careca" exige respeito à sua pessoa porque nós respeitamos a sua pessoa.


Violência Os meios de comunicação capitalista, como "Globo", "Folha de S. Paulo" e similares, vivem acusando os punks, "carecas" e libertários em geral de praticarmos violência atrás de violência, sem termos justa causa. Mas, na verdade, o que a mídia quer é colocar toda culpa em cima das pessoas conscientizadas c ativas que querem mudar essa podridão que assola o país. Um exemplo é este comercial que mostra um pseudo punk, que, sem razão alguma, começa a espancar um cara que estava com a namorada e depois sai correndo deixando o rapaz inconsciente e todo ensangüentado, terminando com a frase: "Vamos viver sem violência". Isso mostra claramente o que o sistema pretende. Ele quer que a população não-consciente, já condicionada a pensar tudo que os poderosos desejam, a pensar que nós somos o retrato da violência. Mas, na realidade, é completamente o contrário. A violência é gerada pelo próprio sistema capitalista, que leva o homem a ser a causa ou o efeito da violência. Um exemplo disto é o dinheiro que o estado arranca do trabalhador através de impostos mil. Em vez de beneficiar o povo através de uma irrigação do nordeste, de uma reforma agrária, são desviados para o bolso do poder. Conseqüentemente, haverá assaltos, prostituição, subnutrição, miséria total. Mas é só isso a violência? Diariamente no mundo morrem até 100 mil pessoas de fome e doenças geradas pela desnutrição, quando ainda se estraga alimentos em quantidade suficiente para impedir esse crime, essa calamidade diária! Violência é transformar a terra em nações pobres e ricas e a humanidade num aglomerado de exploradores e explorados! Este fanzine não é feito para agradar alguém e, sim, para estimular a revolta e o raciocínio contra o sistema. E para você, que insiste em vegetar sem lutar por nada, nosso recado: é melhor morrer de pé que viver ajoelhado (isto vale para o Brasil também). 

ESTILO DE VIDA
Eu tinha doze anos e curtia rock com o pessoal da escola e via um pessoal diferente, que andava com um jaleco preto escrito atrás "esquadrão punk (...). Com treze, quatorze anos, entrei no rnovimento punk. Ai, quanto aos "carecas" (...), existia uma gangue chamada punkids (...). Isto foi em 1980 (...) e eles se aliaram com urna gangue de "carecas". Isso aconteceu à época que teve um movimento de união de gangues do subúrbio e foi ai que eu me tornei "careca do subúrbio". Nós nos unimos porque, se um entrava no distrito do outro, era briga (...) e eu entrei para os "carecas", porque os punkids acabaram (...). Uns casaram, outros viraram crentes e sumiram. Eu gostei porque os "carecas do subúrbio", os skinheads, eram mais radicais em matéria de não beber, treinar, cultuar o corpo. Havia necessidade de se prevenir, defesa pessoal, porque a briga persegue a gente. A convivência com o pessoal se tornou um estilo de vida (...), pelas vestimentas (...), pelo coturno que eu gosto, que é uma coisa durável (...). Eu não tenho dinheiro para ficar trocando de tênis todo o mês (...). Eu simpatizei com a postura antidrogas (..), embora existam alguns que usam a droga (...). Tem também esse negócio de passeata, movimento de protesto, me identifiquei muito. Em nossas reuniões nós propomos não sermos um grupo de jovens iguais a tantos outros jovens alienados (...). Também não somos traficantes. 

No fim de semana o pessoal vai para o "barzinho", beber, não se interessa por uma programação cultural (...). Alguns ficam no fim de semana na "frente do bar"(...), batendo "pandeiro" (...), não tem nada a ver, não tem futuro. No grupo careca", tem toda uma atividade cultural, pois quando a gente se reúne, conversa sobre o que está acontecendo no mundo, troca revista, recorte de jornal, fanzine, fita, o pessoal faz alguma coisa de útil. É por isso que eu não saio dos "carecas"(...). Eu me ocupo, são como urna família para mim, vejo todos como irmãos. A gente no fim de semana não cai no vazio de ir no bar, tomar cerveja, conversar besteira (...) e o pessoal se "livra desse vazio". Os "carecas" são trabalhadores (..). A gente tenta ser um jovem decente, a gente tem que trabalhar (...). Se a gente não trabalhasse, teria que se ocupar de alguma coisa para sobreviver (...). Roubar? Vender "fumo" para sobreviver? (...). Ser perseguido pela policia por causa disso? 

Entre a gente tem até de treze anos (...), mas tem até cara mais ou menos de quarenta anos (...). De repente aparece um "velho" e ai fala "eu quero andar com vocês, eu gosto do movimento" (...), porque de repente, o movimento não é apenas para jovens, é para todo mundo, basta ser uma pessoa "consciente". 

Não somos skinheads, somos "carecas do subúrbio". Bem nacional, ou seja, brasileiros. Não somos um grupo, somos uma gangue exército de desarmados. Odiamos os punks da city. Motivo: incriminam o movimento, são drogados e boys, e por estes motivos se distanciam de uma verdadeira identidade punk. Cultuamos o físico. Eu cultuo o físico e minha mente. Os "carecas", igualmente skíns, são operários do pesado: técnicos, torneiros, caldereiros etc. A força física vem depois da idéia de repressão. Quando não se pode ganhar com palavras, não se pode deixar que te massacrem. Quando tem passeatas no ABC, os "carecas" servem como linha de frente, cartão de protesto. SOMOS UNIDOS, SOMOS FORTES, SOMOS "CARECAS DO SUBÚRBIO".

UNIÃO, FORÇA E SERIEDADE é a base do "Movimento Carecas do Brasil". De certa forma pretendemos formar um exército de "carecas" no Brasil com união (principalmente), seriedade, ação e dureza, mas sem líder. Não somos radicais, pois radical é o sistema e quem faz parte dele; apenas somos (e devemos ser) duros como a realidade. Sabemos que não há a mínima chance pra nós, como sabemos que não há a mínima chance pra paz, por isto somos o que somos, já que o sistema também o é conosco (...). Nosso sentimento de revolta e insatisfação não é representação nem forçassão de barra, como alguns que se dizem isto ou aquilo; somos "carecas" e não estamos num movimento musical, e sim num movimento de protesto muito sério. 


Depoimentos extraídos do livro "Os Carecas do Subúrbio - Caminhos de um nomadismo moderno"  de Márcia Regina da Costa, publicado em 1993 pela editora Vozes.